Profa. Dra. Nídia Limeira de Sá
A questão da responsabilidade social tem sido muito discutida. Sugere o sentimento de que a coletividade deveria ser responsabilizada por todos, ou seja, que deveria haver ações que possibilitassem a todos alcançarem uma vida social com dignidade. Infelizmente sabemos que isto não é a realidade no Brasil, ainda.
Algumas realidades sociais ferem o coração de Deus, porque ferem a dignidade do ser humano. Onde um ser humano é agredido, violentado, maltratado, excluído, banido, desprezado, ali está um quadro que agride ao Criador. Onde há fome, doença, pobreza, miséria e ruína, ali está um atestado terrível: de um lado atesta o egoísmo humano, no verso atesta o afastamento do homem para com Deus.
As comunidades cristãs têm o dever de promover a reforma da sociedade através da proclamação do Evangelho, uma vez que elas proclamam a justiça social que nasce de dentro para fora: que nasce da transformação completa do homem que passa a buscar resgatar a imagem e a semelhança divinas.
Não estou, com isto, afirmando que a “libertação” política, social e econômica é igual à salvação (como afirmam alguns seguidores da Teologia da Libertação). Não estou sacralizando o pobre nem dando status de santidade à pobreza. Pelo contrário, entendo que Deus se agrada do bem-estar das pessoas. A Bíblia diz que “Deus se compraz na prosperidade do seu servo”(Salmo 35:27). Pelo Salmo 122:6 entendemos que a prosperidade é fruto de uma bênção.
Diante de uma sociedade tão contrária ao desejo divino, temos que afirmar, reafirmar e confirmar, nossa responsabilidade social como cristãos. Isto não significa aliar o evangelho com algum programa político particular. Mas, temos que entender que tanto a evangelização como a preocupação sócio-política fazem parte do dever cristão.
O meio evangélico precisa ter uma consciência política e uma sincera preocupação social. Concordo com o texto do Pacto de Lausanne que diz:
“A mensagem da salvação significa também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam”[1].
Ao atentarmos para o discurso bíblico, veremos que existem pecados pessoais, mas, também existem pecados sociais (vide Ezequiel 22:29-31: “O povo da terra tem usado de opressão, e andado roubando e fazendo violência ao pobre e ao necessitado, e tem oprimido injustamente ao estrangeiro. Por isso eu derramei sobre eles a minha indignação; com o fogo do meu furor os consumi; fiz que o seu caminho lhes recaísse sobre a cabeça, diz o Senhor Deus”).
A Bíblia claramente incentiva a se ter uma atitude de ajuda para com os pobres (vide Salmo 41:1: “Bem-aventurado é aquele que considera o pobre; o Senhor o livrará no dia do mal)e também incentiva ao serviço social, quando diz em Isaías 1:17: “Aprendei a fazer o bem; buscai a justiça, acabai com a opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva.”
Toda opressão, toda manipulação, toda humilhação, tem um fundo espiritual – não apenas moral, social e econômico.
Nosso Senhor Jesus foi modelo em tudo, e, em suas ações podemos perceber que ele teve um cuidado especial com os pobres. Disse ele: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos” (Lucas 4:18). Disse também Ele: “Tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me. Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? ou nu, e te vestimos? Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te? E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes. (Mateus 25:35-45).
Esta mesma atitude teve continuidade com os apóstolos, que enfatizaram como Paulo, ao dizer: “Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar do próprio Senhor Jesus: mais bem-aventurado é dar que receber” (Atos 20:35). Como declarou Tiago: “Que proveito há, meus irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura essa fé pode salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos, e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito há nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma” (Tiago 2:14-17). Ou mesmo, como disse João: “Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitando, lhe fechar o seu coração, como permanece nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obras e em verdade” (I Jo. 3:17-18).
Em verdade Jesus se identificou com os pobres não no sentido de “identificação com a pobreza”, mas no sentido de vencê-la. Assim, enquanto houver um pobre, ou alguém precisando de ajuda, aí estará um território onde o Evangelho prático deve ser vivenciado.