Este texto foi escrito por mim e por meu pai. Está dividido em: Textos do Pai e Textos da Filha. Foi publicado pela Editora Naós (SP), em 2007. ISBN BN 978-85-7795-001-0
TEXTOS DO PAI...
INTRODUÇÃO
Considerações
Preocupantes
1. Considerando que vivemos em um país de
dimensões continentais, privilegiado pelos aspectos geográficos e climáticos,
que possui uma enorme orla marítima e milhões de quilômetros quadrados de terras
agriculturáveis, que fala a mesma língua, que tem uma população de fácil
convivência, onde não há sérios conflitos étnicos, religiosos e culturais, mas,
que formamos um país de contrastes, notadamente nas áreas econômica e social,
com um dos piores indicadores na distribuição de renda, em comparação com o
resto do mundo;
2. Considerando que o nosso débito social se
acumula desde a colonização, gerando um segmento excluído de aproximadamente 1/3
da população brasileira na faixa da pobreza e da extrema
pobreza;
3. Considerando que é praticamente impossível
que o Estado sozinho consiga saldar esta dívida, levando o progresso e o
desenvolvimento à periferia das grandes e pequenas cidades, e, principalmente ao
interior do país;
4. Considerando que a solução não cabe apenas
ao governo, porque a culpa não é apenas dele, mas de toda a
sociedade;
5. Considerando que o segmento social
evangélico tem um peso de influência de pelo menos 1/3 da população brasileira,
e que este peso redunda em igual responsabilidade na solução dos
problemas;
6. Considerando que a igreja evangélica
brasileira tem, acima de tudo, uma responsabilidade maior dada por Jesus Cristo,
qual seja: levar o Seu evangelho a todos os quadrantes da Terra;
7. Considerando que o interior do Brasil está
praticamente abandonado, inclusive pelas
igrejas;
8. Considerando que nas mãos do povo das
igrejas evangélicas existe um volume de capital surpreendente, mas pulverizado
em depósitos na rede bancária brasileira, rendendo juros para banqueiros que não
têm nenhum compromisso com o débito social do país e muito menos com o Reino de
Deus;
9. Considerando que o Brasil conseguiu, nestes
últimos anos, um índice de desenvolvimento sustentável, pela índole do seu povo
(pacífica e progressista), por sua política externa abrangente e pelo seu
potencial produtivo (indústria, comércio, serviços e
agropecuária);
10. Considerando que a igreja evangélica
brasileira também cresce, embora desarticulada, mas com grandes possibilidades
de arregimentação de forças para uma ação conjunta com a finalidade de ajudar o
Brasil na solução dos seus problemas internos (corrupção, desigualdade social,
violência, etc.);
11. Considerando que só existem duas
instituições no universo, de quem Deus espera o restabelecimento da justiça
entre os homens: o Governo e a Igreja, conforme sugerem Mateus 16:18 Romanos
13:1 a 7.
Proponho:
1. Que a igreja evangélica brasileira se torne,
cada vez mais, parceira do Governo e da sociedade civil na solução dos problemas
sociais do Brasil;
2. Que o governo, a sociedade e as igrejas
evangélicas analisem a proposta da Fundação Rev. Antônio Limeira Neto
apresentada neste livro, direcionada para os trabalhadores de baixa renda.
CAPÍTULO
I
AS ORIGENS DO BRASIL E DO DÉBITO
SOCIAL
O espaço deste sucinto trabalho não nos permite entrar em detalhes sobre
os fundamentos da história do Brasil, mas, não podemos esquecer que, nos idos de
1.500, as nações da Europa eram colonialistas (e até hoje muitas delas conservam
as suas possessões em várias partes do Mundo). Portugal, por sua vez, não fugia
à regra: sua ambição por aumentar seu pequeno território era tida como
perfeitamente justa diante da política reinante: a de que era preciso conquistar
para crescer.
Pedro Álvares Cabral ao aportar no solo brasileiro encontrou algo que não
esperava: uma nação cujo território tinha donos (os índios), no entanto estes
não lhe podiam fazer suficiente resistência. Podemos “ver” a veracidade desta
afirmação baseados nas “fotos” que a História nos transmite, acerca da
celebração da primeira missa. O fato é que o índio foi subjugado pela força e
disciplina. As ordens partiam da Coroa e os procedimentos cabiam aos gestores
que as executavam. Muitos indígenas perderam a vida, mas todos perderam a terra.
O alvorecer do
Brasil
Para rememorar nossa história, passo a transcrever um belo texto de meu
primo Belarmino de Souza Neto
(2004).
“Oficialmente o Brasil foi descoberto no ano de 1.500, último ano do
século XV, ficando, todavia, por mais de 30 anos entregue à própria sorte, vez
que os interesses da metrópole portuguesa estavam voltados para as Índias, no
longínquo Oriente. Somente em 1.534 D. João III realizou seu plano de dividir a
colônia em capitanias hereditárias. Tomé de Souza, o primeiro presidente geral,
só desembarcou em nossa terra nos meados do século XVI”[1].
O ato de Dom João III de dividir a colônia em capitanias hereditárias perpetuou a posse da terra nas mãos de apadrinhados, mediante documentos vitalícios que passavam de pais para filhos, por gerações indefinidas. Daí os grandes latifúndios que amordaçam as tentativas de mudanças. Não estamos afirmando que todos os latifúndios atuais são continuações das capitanias, porque muitos fracassaram ao longo do tempo e outras se transformaram em terras devolutas, mas, dizem alguns estudiosos que todo o arcabouço das leis fundiárias do Brasil tem sua origem nas capitanias de D. João III.
Firmado que foi o domínio português no Brasil, com o crescimento das
capitanias hereditárias, surgiu a necessidade de mão de obra para a expansão das
fazendas, engenhos e cafezais. Então se cometeu um dos maiores crimes da
história dos povos: todo um continente foi devastado, seqüestrando o braço forte
do jovem africano para construir a riqueza do Brasil e de Portugal, que carreou,
durante séculos, grande parte da produção não só do escravo negro, mas de outros
segmentos que povoaram o Brasil. Cremos que nenhum país do mundo tem uma página
tão triste quanto a da história do Brasil e de
Portugal.
O contingente africano trouxe grande parcela à soma daqueles que povoaram
o Brasil. Além dos degradados, prisioneiros e hereges vieram, por certo, muitos
aventureiros e outros a contrafeito, por força da condição de vassalos ou
funcionários. Vieram imigrantes de outras nações em busca de oportunidades.
Vieram também pretores, gestores e funcionários da Coroa Portuguesa, com suas
respectivas famílias. Assim, esta imensa diversidade, de gente de várias partes
somada à população indígena, formou a população brasileira a partir do século
XVI.
A primeira ação deletéria na formação do débito social foi o massacre da
população indígena, dizimada pelos constantes atritos pela posse da terra, entre
colonizadores e índios. O que não morria nos confrontos era relegado à condição
de escravo e alocado a serviço dos
vencedores.
O segundo ato, não menos corrupto, foi a inclusão do contingente negro,
seqüestrado do continente africano, que, como o índio, foi forçado a esquecer
sua pátria e sua identidade. De igual modo, os que não morreram, ingressaram às
fileiras dos escravizados nas frentes de trabalho, produzindo a riqueza que
construiu inicialmente este país.
Em terceiro lugar, ocorreu o confisco da maior parte da produção,
destinada que foi aos cofres da Coroa em Portugal, retardando assim o progresso
da colônia e impedindo a melhora das condições da
vida.
Quem são hoje os credores deste débito
social?
1. Os descendentes dos índios, com situação
hoje agravada pela miscigenação com outras raças e com a perda de suas línguas e
culturas;
2. Os descendentes dos filhos da África que
receberam a “liberdade”, mas que foram expulsos dos casarões sem receber
indenização, em forma de terra e teto, ou outro tipo de compensação pelo
trabalho que executaram na construção da riqueza deste
país;
3. Os descendentes bastardos, frutos do
cruzamento senhor/escrava, que, não podendo ser criados no convívio do pai,
muitas vezes eram jogados na “casa grande”, recebendo apenas um número, como os
demais que lá moravam;
4. Os descendentes dos imigrantes que, ao longo
dos tempos, foram banidos pela concorrência predatória, e não puderam permanecer
no patamar em que estavam em suas origens, aumentando o número dos
excluídos.
CAPÍTULO
II
TENTATIVAS DE ONTEM E DE HOJE PARA SALDAR O
DÉBITO SOCIAL
O débito social em qualquer nação do mundo é o resultado de uma política
discriminatória que impede parte de sua população de participar do progresso ou
da riqueza produzidos pelo todo dos seus habitantes. Este débito cresce ou
diminui à medida que os governantes assumem ou não a existência do mesmo. Quando
os governantes o ignoram, há sempre reações promovidas por aqueles que sofrem a
discriminação. A história do Brasil é rica de exemplos desta natureza: muitos
movimentos negros procuraram fazer justiça com suas próprias mãos, a começar
pelos escravos rebeldes que não se conformavam com as injustiças sofridas pela
rigidez dos seus senhores, à semelhança de Lucas da Feira, que foi enforcado na
praça da vila de Feira de Santana (Bahia). Muitos outros atos de revolta se
repetiram por vários Estados. Temos também a formação dos quilombos, que
culminou com a Guerra dos Palmares, no Estado de Pernambuco.
Movimentos menos importantes, mas de fortes
conotações sociais, são os de Lampião e Antônio Silvino, no sertão nordestino,
bem como os de Antônio Conselheiro, no interior do Estado da Bahia, na cidade de
Canudos. Conta a História que foi necessária a intervenção do Exército para
deter seus avanços.
Com implicações sócio-filosóficas, tivemos, ainda no século vinte, duas
tentativas de mudanças estruturais, que não lograram êxito: a intentona
comunista, liderada por Luiz Carlos Prestes, na década de 1920, e o movimento
socialista comandado pelo então Presidente João Goulart e Leonel Brizola
(abafado pelo golpe militar de 1964), distando, uma da outra, cerca de 40 anos.
Todos estes movimentos tinham, no bojo de suas intenções, zerar o débito social
do País pela força, usando, para tal, se preciso fosse, o derramamento de
sangue.
Recentemente, decorridos outros 40 anos, culmina um outro movimento, com
o levantamento de um operário à condição de Presidente da República (Luis Inácio
Lula da Silva), cujo paradigma tem sido o de saldar o débito social do país pela
inclusão social. Contudo, para que isso aconteça, é necessário que sejam
observadas algumas realidades: a) esta é tarefa de, no mínimo, uma geração
(40 a 50
anos), por conseguinte, qualquer presidente que o suceda precisa também estar
afinado com o objetivo de zerar o débito social; b) esta tarefa não será apenas
do Presidente e de seu governo: haverá necessidade de mobilização de toda a
sociedade, a partir do Ministério Público, das Forças Armadas, da Justiça, do
setor produtivo, das instituições de crédito, da imprensa falada, escrita e
televisionada, etc., o que demanda uma fiscalização rigorosa, acompanhada de uma
oposição responsável.
É inútil e contraproducente qualquer tentativa de saldar o débito social
do país pela força. O problema está em que o homem tem dificuldade em dividir, e
muito mais dificuldade em dar; mesmo que Jesus Cristo tenha dito que “melhor
coisa é dar que receber” (Atos 20:35). O homem emprega toda sua diligência
física e intelectual na aquisição de bens para si próprio, e está sempre
disposto a arriscar a sua vida para acrescentar ou conservar o que tem, daí a
dificuldade de saldar o débito que é de todos. Sabemos que saldar o débito
social pela inclusão é viável, no entanto, qualquer Presidente terá que
conseguir eliminar ou diminuir o índice de corrupção no país, porque não faz
sentido incluir mais de sessenta milhões de pobres e miseráveis numa sociedade
corrompida e perversa: seria botar remendo de pano novo em roupa
velha.
Essa tarefa não é apenas do Presidente, porque
também ele, como nós, é vítima das conseqüências de um efeito-dominó causado,
princialmente, pelo golpe de Estado, em 1964. Cremos que Deus é o Senhor da
História e que a intervenção militar naquela situação histórica foi providência
divina, mas Deus não é responsável pelo modo como os protagonistas do golpe
agiram. A década de 60 registra uma terrível página na história do Brasil. Da
noite para o dia lares foram violados, pais foram arrancados do convívio dos
filhos, presos ou mortos; outros fugiram, abrigando-se nas embaixadas de países
vizinhos; outros se esconderam nas selvas. O fato é que uma geração inteira
perdeu a sua liberdade, quando a Constituição foi posta de lado e atos
institucionais foram editados conforme o arbítrio do poder
dominante.
O Brasil de hoje é a soma total dos filhos e
netos daquela geração impactada pelo golpe militar de 1964, quando a filosofia
transmitida à nova geração foi a do império da força, bafejada pelo poder
econômico, que deu suporte ao regime de exceção implantado no país. Este estado
de coisas deu margem à formação de uma cultura de aquisição de dinheiro a
qualquer custo, com a idéia de que, com o dinheiro se manipula a força, e com a
força se consegue tudo quanto almeja o coração do homem, seja para o bem ou para
o mal. Esta é uma filosofia que ocupa a mente de grande parte da população
brasileira e que atinge todas as camadas da sociedade. Geralmente aqueles
criminosos que têm formação intelectual superior e riquezas, apelam para o
suborno, a propina, a apropriação indébita, a fraude e outras estripulias;
aqueles de escolaridade mais baixa, usam o contrabando, o tráfico varejista de
drogas, o roubo, o assalto à mão armada, o seqüestro, o crime de aluguel, etc.
O fato é que a corrupção e a violência são
irmãs gêmeas, porque são efeito da mesma causa. É certo que tanto a corrupção
como a violência sempre existiram, desde que o homem começou sua história; mas
na dimensão do que sofremos hoje, só se tem notícia de situação semelhante na
época do dilúvio (Gn. 6).
Estes são os principais obstáculos que podem
impedir qualquer Presidente de realizar a imensa tarefa de saldar o débito pela
inclusão social. Todos temos o dever de ajudar para que o Brasil consiga
efetivar esta fase de saneamento do mal da corrupção (que já começou), pois esta
põe em risco a própria governabilidade do
país.
Estamos conscientes dos perigos que atravessa o
país, pois este está administrando uma nova geração formada sob o arbítrio de um
poder discriminatório, que contemplou as frustrações dos seus progenitores, que
sofreu o desabrochar da globalização estabelecendo o culto ao dinheiro, que
assistiu o avanço da ciência e da tecnologia, mas que sabe muito bem que apenas
um pequeno grupo pode participar destes avanços que são obtidos pelo poder
econômico. Muitos voltam à filosofia jesuítica de que “os fins justificam os
meios” e tentam adquirir dinheiro a qualquer preço. Foi nesta geração que surgiu
a chamada “filosofia de Gérson”: “Leve vantagem você
também”.
O que me preocupa é que sempre acompanhei os
noticiários nos jornais à espreita de ouvir alguém (um parlamentar, um partido
político, uma ONG, um segmento qualquer da sociedade, ou mesmo da Igreja) a
oferecer uma contribuição qualquer para a solução do problema do país, mas não é
isto o que constantemente ouço. Só se ouve cobranças. Cobranças dos “sem-terra”,
cobranças dos “sem-teto”, cobranças dos desempregados, cobranças dos que estão
empregados, cobranças dos estudantes, cobranças dos que não estudam. Todos acham
que o Governo é obrigado a solucionar
tudo.
Na verdade, há um vazio pairando sobre o
Brasil. Enquanto isto, a cada dia o débito social aumenta. Diante deste vazio é
que me proponho a oferecer uma contribuição, que, a princípio pode significar
apenas “cinco pães e dois peixinhos”, mas, colocados sob o processo da
multiplicação, com determinação e fé, poderá alimentar
multidões.
Antes de descrever como pretendo colaborar,
preciso dizer quem sou, de onde vim, o que fiz e o que pretendo
fazer.
CAPÍTULO
III
QUEM SOU
EU
Sou Antônio Limeira Neto, brasileiro, casado,
ministro do Evangelho, residente em Feira de Santana, Bahia. No propósito desta
descrição não existe a pretensão de promoção pessoal, vanglória, ou qualquer
coisa desse tipo; antes, este breve relato prende-se tão somente à necessidade
de transparência sobre minha pessoa e sobre a fundamentação teórica do projeto
que julgo imprescindível para o contexto social da nossa pátria, nestes
tempos.
Procedo do alto sertão pernambucano na zona do
Pajeú - rio periódico, afluente do famoso Rio São Francisco. Com a idade de 22
anos fiz o que quase todo nordestino faz: saí pelo mundo à procura de trabalho e
riquezas. Na época, iniciavam-se as obras de construção da Companhia
Hidroelétrica do São Francisco, em Paulo Afonso , na forquilha dos
estados de Pernambuco, Bahia e Alagoas. Para lá me dirigi, mas não havia
estalagem para abrigar os trabalhadores, os quais se arranchavam debaixo das
árvores ou improvisavam barracas cobertas de arbustos do local. Não fiquei: tive
medo e prossegui viagem.
Cheguei a Feira de Santana (interior da Bahia)
nos idos de 1949. Nunca vira cidade tão grande. Lá encontrei trabalho e me
abriguei na própria construção onde trabalhava como pedreiro. Numa noite de
domingo fui acometido de profunda saudade. Como bom católico que era (atuei como
sacristão durante a infância por oito anos consecutivos), resolvi fazer uma
visita ao “santíssimo sacramento”. Qual não foi a minha decepção: encontrei as
portas da igreja matriz fechadas. Saí sem destino. Seguindo a Rua Marechal
Deodoro, encontrei um salão onde havia muita gente entoando um canto alegre. Eu
que estava triste, parei. Logo me convidaram a entrar. Como não tinha para onde
ir, aceitei o convite e assisti toda a programação. No final, como sempre
acontecia nas igrejas evangélicas, perguntaram-me quem eu era, onde morava, o
que fazia, etc. Assim, prometi voltar mas não
voltei.
Dias depois recebi a visita do mesmo galego que
encontrara naquela noite de reflexão profunda na minha vida. Desci do andaime
onde estava, recebi o visitante que apenas me cobrava o cumprimento da promessa
que havia feito. Conversamos muito e outro convite me foi
feito.
No domingo seguinte, lá voltei, estabelecendo
em seguida um convívio de irmão, o qual me foi de grande valia naquela época em
que me achava solitário. Daquele convívio veio a convicção de que Deus tinha um
propósito diferente para a minha vida. Logo fui batizado. No ano seguinte
(1950), aquele grupo que compunha a Igreja Evangélica Unida de Feira de Santana,
hoje Primeira Igreja Fundamentalista, me enviou para o Seminário Teológico
Congregacional do Rio de Janeiro, para que eu pudesse me preparar adequadamente
para o ministério pastoral. De lá saí seis anos depois (1955), com um diploma na
mão e com a companheira que Deus me deu para construirmos uma família e uma
história: a minha ex-professora de Matemática: missionária Clovelina
d’Ávila.
O galego citado acima chamava-se Roderick
Gillanders, procedente de Nova Zelândia. Este foi o fundador da Igreja
Evangélica Unida de Feira de Santana. Já avançado em idade e com a saúde
abalada, retornou à sua terra após 27 anos de serviço missionário no Brasil (20
dos quais em Feira de Santana – 1935 a 1955). Coube a mim dar
continuidade ao seu trabalho.
Permaneci em Feira até 1964, após 10 anos de
convívio com aquele grupo amado, deixando em meu lugar o Pr. Antônio Ribeiro
Fernandes de Oliveira, filho da Igreja Unida. Durante o meu pastorado na Igreja
Unida procedi semelhantemente ao que fizeram comigo: enviei Antônio Fernandes
para estudar no Seminário.
Eu regressei ao Rio de Janeiro e assumi o
pastorado da Igreja Evangélica Congregacional em São João de Meriti, onde atuei por
20 anos. Em 1979 fui nomeado presidente do Departamento de Missões da União das
Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (UIECB). Nesta função atuei por
seis anos consecutivos, com a incumbência de implantar Igrejas Congregacionais
em todas as capitais dos Estados onde não havia Igrejas Congregacionais.
Percorri o Brasil de norte a sul. Não alcancei a meta naquele período por falta
de recursos, mas implantei igrejas e construí templos e casas pastorais em 17
Estados da Federação.
Em 1985, fundei a Missão Evangelizadora
Filantrópica de Apoio Missionário (MEFAM). A princípio, esta Missão deu suporte
às Igrejas Congregacionais de Manaus (Amazonas), Boa Vista (Roraima) e Rio
Branco (Acre).
Construí depois um projeto de implantação de
igrejas que funcionava em cima do chassi de um caminhão, por meio do projeto
chamado “Templo sobre Rodas”. Este caminhão transportava um baú que podia ser
aberto para comportar cerca de 120 pessoas sentadas. Neste projeto implantamos
uma igreja em Bonfim de Feira (a 150 quilômetros de Salvador) e
outra em João
Pessoa , no Estado da Paraíba. Por falta de parceiros o “Templo
sobre Rodas” foi desativado. Usando o mesmo veículo, construí outro projeto,
agora itinerante, intitulado “Uma Luz no Asfalto”. Este veículo encontra-se
atualmente no Estado de Minas
Gerais.
Hoje, com 81 anos de idade, sinto os efeitos da
idade avançada, mas a disposição e a fé me faz, na unção de Calebe, sonhar em
desenvolver este novo projeto de caráter social e evangelístico, que é a razão
de ser deste livro.
CAPÍTULO
IV
Na ânsia para encontrar uma alternativa financeira para solucionar o custeio da obra missionária que presidia, passei a refletir muito. Questionava primeiramente comigo mesmo, e também com os meus líderes, solicitando reforços da verba. Como estes não apareciam, passei a questionar a Deus. Não podia aceitar o sistema usado pela Igreja para financiar a obra missionária. Este questionamento quase atingiu a raia do desespero. Então, me veio à mente aquele episódio no deserto do Monte Sinai, após Moisés ter quebrado as tábuas de lei em virtude da desobediência do povo que conduzia até a Terra Prometida. Deus manda Moisés prosseguir viagem, mas avisa: “Eu não subirei no meio de ti”. Então, Moisés, numa resposta quase desesperada, responde: “Se a tua presença não vai comigo, não nos faças subir daqui” (ver Êxodo 33:1 a 16). Aquela posição de Moisés me encorajou em meus questionamentos. Então, eu disse a Deus: “Se não me deres uma resposta, dentro da Bíblia, não me deixes prosseguir”. Só em fazer aquele pedido já me senti aliviado, porque sabia que viria a resposta.
Dias depois, lendo a Bíblia, no sermão escatológico de Jesus (capítulos
24 e 25 de Mateus), deparei-me com a Parábola dos Talentos (Mateus 25: 14-30).
Já havia lido este texto, mas não percebera nele a resposta aos meus
questionamentos. Infelizmente, por força das definições que dão os dicionaristas
da língua portuguesa, afirmando apenas que talentos são capacitação e aptidões do
ser humano, grande parte dos nossos pastores, escritores, e o povo em geral,
crêem na definição dos dicionaristas,
meramente.
Para confirmar minha convicção, cito [2]Tasker (1980), quando diz: “É uma infelicidade que esta parábola ficasse
conhecida em geral como a parábola dos talentos, pois a palavra talento no
inglês e no português contemporâneos refere-se exclusivamente a aptidão natural
e a capacidade inata de certas pessoas para certas funções. Entretanto, a
parábola de maneira alguma se relaciona com o que são talentos neste sentido. Ao
contrário, os talentos da parábola pertencem a alguém mais, e por este são
confiados a outras pessoas, para que não sejam utilizados somente no interesse
deles, mas no dele” Ora, “talento” significa dinheiro, recurso financeiro
mesmo.
Entendi que na parábola dos talentos existia
uma transação com dinheiro: alguém confiou seus recursos (talentos) aos seus
servos para gerar outros recursos (talentos): o resultado foi na base de 100%. O
servo que não gerou, foi colocado fora do grupo (v.30).
Descobri, também, que, no montante do que foi
gerado, não há participação no lucro, nem outra qualquer divisão: tudo continuou
no controle do dono. Descobri, ainda, que após a entrega do gerado, houve uma
expressão de aprovação e também um convite: “Muito bem, servo bom e fiel; foste
fiel no pouco, sobre o muito te colocarei: entra no gozo do teu Senhor” (v. 21).
O que vem a ser o gozo do
Senhor?
Trago um trecho do meu livro Missões na
Dimensão de Deus[3], no qual discuto esta questão. “É, sem dúvida,
a parte mais importante da parábola, quando os servos fiéis são convidados a
participar do gozo do seu Senhor. Aqueles que crêem na salvação pelas obras
encontram neste episódio um motivo para consolidação desta doutrina, pois,
segundo eles, a fidelidade e o trabalho os tornam merecedores de tal privilégio.
Para os tais, o gozo do Senhor é sinônimo de salvação. Para os que crêem na
salvação pela fé, o participar do gozo do Senhor refere-se ao galardão ou
recompensa que o servo fiel recebe, pela sua habilidade e fidelidade no trato
com os talentos que o Senhor lhe
confiou.
Posso asseverar que ambas as posições estão
erradas, porque os procedimentos usados nesta parábola indicam atividades
diversificadas e recomendações no trato de bens materiais, com vistas a um
resultado positivo. Desta forma, o gozo do Senhor é uma oportunidade a mais para
o trabalho, e não um lugar ou posição que o servo fiel venha a desfrutar em
delícias eternas. O direito de desfrutar delícias já foi outorgado aos
voluntariamente servos (e não conquistado), quando da aceitação de Jesus como
seu Senhor.
Um exame criterioso das Escrituras Sagradas nos
levará a descobrir o verdadeiro sentido de “gozo do Senhor”. Deus, ao concluir a
obra da criação, o fez criando o homem à Sua imagem, conforme a Sua semelhança
(Gn. 1:26). “E viu Deus que tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn.
1:31). Não há termos de comparação para avaliar a beleza e perfeição das coisas
criadas. O próprio Deus, expressando a Sua satisfação e alegria, disse que tudo
o que tinha feito era muito bom! ... Com a queda, não apenas o homem, mas também
a criação foram afetados. “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação
dos filhos de Deus. Pois a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade,
mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria
criação será libertada do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos
filhos de Deus. Sabemos que toda a criação geme como se estivesse com dores de
parto até agora” (Romanos 8:19-22).
A partir da desobediência de Adão, todo empenho
de Deus foi no sentido da restauração daquela alegria e gozo que houve no
princípio e que “era muito bom”. O primeiro ato de Deus na direção da
restauração foi providenciar vestimentas para o homem e sua mulher, que
entenderam-se nus (Gn. 3:21). Depois interceptou o aceso à Árvore da Vida, para
não perpetuar o estado de corrupção e pecado, em que o homem se encontrava. O
propósito de Deus se faz sentir em todas as fases da história, a ponto de o
escritor aos Hebreus, assim se expressar: “Havendo Deus antigamente falado
muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos
nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem
também fez o mundo. O qual (Jesus), sendo o resplendor da sua glória, e a
expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu
poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se
à destra da majestade nas alturas” (Hb 1:1-3). Aqui está o grau máximo da
manifestação de Deus, no sentido de restaurar o homem à condição
primitiva!
O Filho, por sua vez, “veio buscar e salvar o
que se havia perdido” (Lucas 19:10). E, no desempenho desta sagrada missão, o
escritor de Hebreus diz que, “pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a
cruz, desprezando a afronta e assentou-se à destra do trono de Deus” (Hb
12:2).
Pelo exposto, dá para entender que o gozo de
que fala a parábola dos talentos não é apenas aquela satisfação imediata que
sentimos diante das promessas oriundas da Palavra de Deus, mas o envolvimento na
tarefa de buscar as almas perdidas, com aquele mesmo sentimento que houve
em Cristo
Jesus (Fl. 2). Este envolvimento consciente no trabalho
inicialmente feito pelo próprio Deus, pode até significar desconforto e
sacrifício da parte daqueles que são desafiados, mas certamente há também muito
gozo.
O gozo do Senhor só é completo quando da
conversão do pecador que, arrependido, se volta para o Criador, conforme se
deduz da mensagem de Deus por intermédio
do profeta Ezequiel: “Porque não tenho prazer (gozo) na morte de ninguém, diz o Senhor Deus. Portanto,
convertei-vos e vivei”
(18:32).
Esta mesma idéia transmitiu Jesus ao proferir
as parábolas da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho pródigo: “qual
dentre vós é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa
no deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la?
Achando-a põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo (gozo). E indo para casa,
reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque achei a
minha ovelha perdida. Digo-vos que assim haverá maior júbilo (gozo) no céu por
um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não precisam
de arrependimento” (Lc. 15:4-7). “Ou qual a mulher que, tendo dez dracmas, se
perder uma, não acende a candeia, varre a casa e procura diligentemente até
encontra-lá? E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos
comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido. Eu vos afirmo que de igual
modo, há júbilo (gozo) diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”
(Lc.15:8-10). Quanto ao filho pródigo, nos afirmou Jesus: “Vinha ele ainda
longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou e
beijou”... E disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; vesti-o,
ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei também e matai o novilho
cevado, comamos e alegremo-nos. Porque este meu filho estava morto e reviveu,
estava perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se” (Lc.15:20-25). Às recriminações do filho mais
velho, o pai respondeu: “Era preciso que nos regozijássemos e alegrássemos,
Porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (Lc.
15:32).
Esta é a tarefa da Grande Comissão! Tarefa que
não se realiza por profissionalismo, mas por compaixão. Para tanto, o servo do
Senhor é desafiado a colocar em cheque a sua vida, os talentos que recebeu do
Senhor, os talentos (recursos) granjeados, o muito que recebeu, o seu tudo. É
óbvio que é necessário ter habilidade e criatividade pessoal, mas, sobretudo,
vontade e determinação para obedecer o “Ide” do Senhor
Jesus.
Há uma progressão na revelação do “gozo do
Senhor”. Isaías, quando vislumbrou a obra expiatória de Cristo, assim se
expressou: “Todavia ao Senhor agradou moê-lo fazendo enfermar; quando a sua alma
se puser por expiação do pecado, verá a posteridade, prolongará os seus dias, e
o bom prazer do Senhor (gozo) prosperará na sua mão. Ele verá o trabalho da sua
alma, e ficará satisfeito. Com o seu conhecimento o meu servo, o justo,
justificará a muitos, e as iniqüidades deles levará sobre si” (Is. 53: 10-11).
Há nesta passagem um misto de sofrimento e gozo, trabalho e satisfação; mas este
foi o processo utilizado por Deus para trazer ao mundo a redenção em vista da
qual o homem é convidado a integrar a mesma empresa e a participar do mesmo
objetivo, qual seja: a implantação do Reino de Deus no mundo. “Portanto ide e
fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E
eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século” (Mt.
28:19-20).
A parábola dos talentos é uma parábola
missionária, uma vez que a ordem para “entrar no gozo” (Mt. 25:21), tem a mesma
conotação que o “ide e pregai” (Mc. 16:15), mas, com um atenuante: na parábola
dos talentos, além da ordem, existem os procedimentos necessários à execução da
tarefa, desde a geração dos recursos (v. 15), os processos para adquiri-la (v.
16), a entrega total do produto para atender aos propósitos do seu Senhor (v.
20), até a disposição voluntária para se associar à empresa (v. 23). Afirmo isto
por acreditar que “o gozo que Lhe estava proposto” (Hb. 12:2) não era o
“assentar-se à destra do trono de Deus”; pois esta posição sempre pertenceu a
Jesus desde antes da fundação do mundo. Mas, o que levou Jesus a suportar a cruz
foi a alegria (gozo) de ver realizado o propósito do Pai na restauração do
pecador. Isto o levou a dizer: “Eu te glorifiquei na Terra, consumando a obra
que me confiaste para fazer” (Jo.
17:4)”.
Diante das conclusões a que cheguei,
confrontando a Palavra de Deus, entendi que o propósito de Deus em relação ao
homem que criou não se limita tão somente à salvação da alma, mas, também à
restauração total do corpo e de seus relacionamentos, com qualidade de vida e
cidadania.
Por esta razão, me propus adaptar a visão que tive, da parábola dos
talentos, à estrutura de uma Fundação, porque em assim fazendo, estarei servindo
a Deus e à pátria, na recuperação do homem: física, cívica, emocional e
espiritualmente. Procuro ao máximo imprimir uma semelhança entre a estrutura e a
regulamentação da Fundação e os procedimentos da parábola dos talentos, tanto no
uso do capital como nos critérios para o comportamento daqueles que a
administram.
Outro princípio natural de grande valor para mim, é extraído do instinto
natural da galinha campestre não confinada, dado pelo próprio Criador; de não
continuar a postura no mesmo local se algum predador, animal ou mesmo o homem,
retirar os ovos do ninho que construíra. O homem experiente deixa sempre um ovo
no ninho, o qual recebe o nome de indez, porque, se assim não o fizer, galinha
irá construir outro ninho num lugar que o predador desconhece. Este princípio
procuro reproduzir na logomarca da Fundação para jamais ser
esquecido.
CAPÍTULO
V
MISSÃO
POSSÍVEL
É fácil detectar defeitos, descobrir carências,
denunciar omissões ou cobrar soluções; o difícil é corrigir os defeitos, suprir
as carências, ou pagar as cobranças com soluções. A primeira parte deste livro
seguiu mais ou menos este roteiro de cobranças, mas, na segunda parte, que aqui
começa, pretendo apresentar algumas alternativas que poderão minimizar ou
atenuar os efeitos dos problemas levantados. Entretanto, já que o poder não está
nas nossas mãos, pretendemos motivar as forças que detém este poder (sociedade
civil, sociedade religiosa e poder público). Vou mais longe: não apenas atenuar,
mas eliminar as causas destes efeitos que aviltam a imagem de uma nação que
deseja ser justa e igualitária.
A Fundação Rev. Antonio Limeira Neto (em fase de organização), usando uma
visão escatológica, baseada em princípios bíblicos e também em princípios
naturais a serem usados no manuseio dos valores pecuniários, irá, conforme
exposto no capítulo anterior, usar os princípios da geração e multiplicação dos
valores recebidos, sejam por doação ou parceria, estabelecendo o princípio de
não gastar o capital, ou seja, o recebido, mas será gasto apenas o que for
gerado, ressaltando, assim, o
empreendedorismo.
Há uma
tradição, nas Igrejas Evangélicas, com respeito ao que recebem em dízimo, em
ofertas: repassam estes valores diretamente para as despesas de seus
compromissos: salário pastoral, construção e manutenção de templos e casa
pastorais, bem como tudo o que envolve a liturgia do culto, na certeza de que,
no próximo mês, haverá repetição da receita. Não há nada de errado em repassar a
receita, porque até o governo usa o mesmo processo: arrecada os seus múltiplos
impostos e repassa-os para os setores de serviços de sua complicada máquina
executiva, a qual, como não recebe verba de outra parte, não pode extrapolar o
seu orçamento; quando o faz, sofre o impacto da lei de improbidade
administrativa.
A partir deste ponto, chegamos à conclusão de
que vivemos em um mundo onde só aquele que gera é que paga a conta. A igreja
recebe dos seus geradores (fiéis) e repassa para sua máquina. O Governo cobra
dos seus contribuintes e repassa para seu
orçamento.
Já o setor financeiro (bancário) usa o
princípio de geração, que é infalível por ser um princípio eterno: desde o
pequeno grão lançado na terra – a grande madre – até o microscópico sêmen
fecundado na matriz de todas as mães, e até na ciência, este princípio é válido.
Exemplificando com a eletricidade: quando o gerador pára, as cidades ficam às
escuras, tudo pára.
Jesus sabia que os seus discípulos tinham o
mundo inteiro para conquistar, por isto contou-lhes a parábola dos talentos,
ensinando-os a priorizar a geração de recursos, e esperando que todos se
tornassem empreendedores, geradores.
Neste quadro entra a Fundação Antonio Limeira
Neto, com o propósito de participar com o Governo e a sociedade brasileira, na
erradicação do débito social. Usaremos, até onde as leis nos permitam, o
princípio de captar talentos, vindos do homem comum ou dos mais altos escalões
da sociedade produtiva (governo, sociedade civil e religiosa, mas, “retendo o
indez no ninho”, para garantir o ovo do amanhã. Esta retenção não significa
deixar o recurso parado (angariando juros), mas estará sempre em processo de
multiplicação, de geração, para repor a unidade financiada e para custear o
programa social e cultural.
O propósito da Fundação é construir e financiar moradias de baixo custo
para famílias de baixa renda.
Por motivo de prudência, começaremos atuando em favor d homem de baixa
renda, o qual, embora não possuindo teto, seja trabalhador formal ou informal,
ou seja: tem como pagar um aluguel. Pensando nestes, procuraremos construir
apartamentos dignos, com 2
quartos , sala, cozinha e banheiro, mas com o valor das
prestações abaixo do valor do mercado do aluguel. Não desconhecemos que existe,
entre os excluídos, um segmento com “zero renda”, ou seja, os que vivem na faixa
da extrema pobreza. Para este grupo é preciso um projeto diferente deste aqui
apresentado, mas suas demandas não estão fora das nossas cogitações futuras.
Em conversa com meus interlocutores, quando lhes falo sobre o projeto, a
primeira dúvida que levantam é o problema da inadimplência, que hoje assusta
qualquer instituição creditícia. Não desconheço o problema, mas o considero
apenas como um dos cavacos do caminho. Entretanto, a Fundação não há de ser mais
uma instituição cobradora de dívidas, uma vez que também ajudará os
beneficiários na conquista de sua cidadania e auto-estima. Está no bojo do
projeto a criação de mecanismos para ajudar quaisquer situações de
inadimplência.
Outra dúvida constantemente levantada é quanto aos critérios de seleção
para inclusão no projeto. Já temos alguns: a) priorizaremos as famílias que
possuírem pessoas com deficiência física, sensorial ou mental; b) em seguida,
priorizaremos as famílias que tiverem o maior número de filhos menores; c) não
aceitaremos solteiros (porque nosso propósito é restaurar famílias, mas, se o
candidato ao financiamento viver maritalmente há mais de cinco anos e tiver
filhos, poderá ser ajudado a se casar, regularizando a situação legal); d) a
idade máxima será a de 55 anos de idade (pois aqueles que são mais idosos já
ultrapassaram a época de criar seus
filhos).
Programa Sócio-Cultural da
Fundação
Esta será a segunda dimensão do projeto; sem
ela a Fundação se transforma em mais uma empresa de construção civil a concorrer
com tantas que já existem no mercado imobiliário da sociedade de consumo. A
nossa esperança é que não nos considerem
assim.
O custeio e a manutenção destas atividades far-se-á mediante convênios
com a Prefeitura, o Estado ou empresas, bem como por meio de recursos (gerados)
da ordem de 50% advindos das prestações do financiamento, após a conclusão do
primeiro conjunto.
Baseados nesta dimensão, procuramos adaptar a nossa visão às
possibilidades de uma Fundação, que é uma instituição da sociedade civil, mas
também de interesse público. Não é só o Governo que tem a ganhar com a
participação da sociedade numa área de atritos, mas toda a nação será
beneficiada.
Este é um projeto simples, transparente, sem burocracia, fácil de
fiscalizar. Não precisa ser economista para entendê-lo: somar para aplicar,
multiplicar para dividir e dividir para diminuir a pressão do problema que
aflige a nação. A sociedade civil é a soma total dos anseios, pressões e
cobranças da população, e como o governo é laico, a sociedade religiosa se
incorpora à sociedade civil.
O teor deste pequeno livro realça que a sociedade brasileira, inclusive o
governo, está inadimplente na questão social, desde a colonização (há mais de
500 anos). Sofre muito que tem a possibilidade de perceber as cobranças injustas
que fazem ao Governo; digo “injustas” porque não é só ao Governo que cabe pagar
o débito social. Se estivéssemos numa ditadura, era até razoável a cobrança, mas
numa democracia como a nossa, é injusta.
Assim, é pressão de todo lado. Só não ouvimos a pressão dos sem-nada, mas
ela existe. É que esta pressão é feita através do silêncio, porque eles não têm
voz e vez. Esta é a pressão que mais incomoda a Deus, pois não é feita aos
homens, porque eles não a ouvem. Mas, quando a pressão se transforma em clamor,
os céus se movimentam.
É aqui que entra a proposta da Fundação, que não tem outro objetivo senão
o de se colocar no meio, para contribuir. Quando se descobre que também é
devedor, a coisa muda: a cobrança passa a ser um ajuste de contas. É necessário
que se entenda que o débito social de que estamos falando se constitui num peso
para cada presidente que surge: tem que ser dividido com a sociedade.
CAPÍTULO
VI
PROGNÓSTICOS
PREOCUPANTES
Estamos imbuídos de um sentimento um tanto revolucionário (não uma
revolução armada de fuzis e metralhadoras, mas armada com as armas da fé e da
determinação, municiados de enxadas, pás e picaretas, colheres de pedreiro,
prumo, régua, compasso, linha e esquadro): muita terra e muita água serão
aquecidos com o fogo do entusiasmo: irão construir casas, restaurando a
cidadania, incluindo o discriminado e levando-o a participar do progresso da
nação, o Brasil.
Não desconhecemos as perspectivas sombrias que pairam sobre o Brasil e o
mundo, as quais podem neutralizar qualquer iniciativa que se queira fazer em
prol de um segmento qualquer da população. Há perigos na atmosfera e na
economia, mas há também nos relacionamentos humanos, causados pela usura e pelo
preconceito. Há perigo até no aumento da ciência. Refiro-me ao progresso da
medicina, que aumentou em muito a perspectiva de vida do homem, mas que não traz
em si a solução. Observe o leitor o que traz uma pesquisa do I.B.G.E.,
transcrita do Conselho Federal de Psicologia[4]:
“Dados e projeções do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - dão idéia da transformação
demográfica por que passamos: de 2007 a 2050, o número de Brasileiros
com 60 anos ou mais deve aumentar 47 milhões enquanto a faixa que reúne pessoas
de 15 a 65
anos vai crescer 29 milhões. A idade média do conjunto da população passará dos
atuais 25 anos para 40 anos e, se hoje existe um idoso com 65 anos ou mais em
cada 10 brasileiros, em 2050 haverá um idoso para cada três brasileiros! Essa
mudança no perfil demográfico brasileiro exige mudanças nas políticas que digam
respeito à assistência social, à educação, ao transporte, à saúde pública, ao
lazer, numa palavra. Essas políticas públicas terão de ser mais adequadas e esta
quantidade cada vez maior de idosos e pessoas que vivem por mais tempo”.
Acrescente-se a estas informações bastante divulgadas, de que, neste
mesmo período, 90% da população brasileira estará morando nas cidades. Isto
causará forte impacto na questão do espaço: na rua, nas estradas, nos
aeroportos, rodoviárias, escolas, hospitais, nas repartições públicas, nos
transportes coletivos. E por falar em transporte, alguém já calculou o número de
veículos automotores que as montadoras colocarão neste espaço e neste tempo, no
Brasil?
Nesta linha de reflexão, causa espanto o problema da moradia.
Recentemente, um noticiário da TV, no horário nobre, comentou que só para
equilibrar o déficit habitacional na capital paulistana seria necessário
construir 163 mil residências a cada ano, durante 10 anos consecutivos. O que
dizer, então, do resto do Brasil? Cada vez mais me convenço, de que é necessário
começar imediatamente uma revolução pela inclusão, porque, do contrário, veremos
em breve, não mais invasões em prédios públicos e não habitados, mas em mansões
habitadas, e o governo gastando na repressão o que deveria gastar na ampliação
dos seus espaços públicos, como escolas e
hospitais.
Por último, desejo considerar o chamado “Império da Subjetividade”.
Refiro-me à mídia mercantilizada e à mídia irresponsável. O progresso nos meios de comunicação municiou a
mídia numa proporção tamanha que a transforma num quarto poder, transformando os
três poderes da república (Executivo, Legislativo e Judiciário) em
reféns.
Transcrevo outros importantes comentários do Jornal do Federal. referido
anteriormente:
“As sociedades contemporâneas
estigmatizadas pela massificação e pelo constante incentivo ao consumo têm
enfrentado a chamada desertificação de seus espaços plurais, ocasionando o
esvaziamento das coletividades, das comunidades. Mediante este contexto, está a
televisão, cultuada como a referência dominante. É fato. Hoje a cultura da mídia
é a cultura que domina, que organiza as formas sociais, substitui as
manifestações culturais, faz a cidadania enxergar o mundo sob sua ótica, nas
suas lentes, em seus vieses. As mídias, hoje, principalmente a televisão, detém
o poder de fazer crer e fazer ver, lembrando o filósofo Pierre Bourdieu. Seus
ícones substituem valores, contextos sociais, famílias, grupos, constituem os
arquétipos do imaginário, são árbitros de valores e aceitação, de gosto e
medida... Os novos meios tecnológicos impõem-se como uma nova realidade, cuja
medida ainda não está posta; desconhecem o controle, a vertente democrática, a
regionalização em sua produção, enquanto reordenam as nossas percepções,
traduzem em novos modelos de experiência a subjetividade humana...
Mas nem tudo está perdido. É de se
esperar que a sociedade brasileira, proprietária que é, das concessões,
pressione o Congresso Nacional para criar parâmetros reguladores das
programações, a fim de termos uma mídia comprometida com a verdade, tanto no que
anunciam como no que noticiam, porque, do contrário, em breve toda a sociedade
brasileira será refém do supérfluo.
A nossa preocupação é que estamos trabalhando num projeto sem fins
lucrativos, voltado para a área da pobreza e da extrema pobreza, mas este
projeto, bem como outros que já existem, e outros que virão depois, poderão
implodir, por força de uma sociedade sem
rumo.
CAPÍTULO VII
UMA PROSPECTIVA
OTIMISTA
Se ficarmos presos aos prognósticos preocupantes a que estamos sujeitos,
poderemos colocar em risco as perspectivas de sucesso e atropelar todas as
nossas esperanças. Uma prospecção baseia-se em números frios de sua temática sem
desprezar as conclusões pragmáticas da lógica. No entanto, como estamos
fundamentados na temática divina (a parábola dos talentos), sem esquecer a
participação humana, acrescentamos um outro elemento - a fé. Daí a razão de ser
do nosso otimismo. Vamos aos
números.
O propósito da Fundação é preparar um apartamento com
70 m2 de
área construída, com uma sala, dois quartos, banheiro, cozinha, varanda e área
de serviço, na periferia de cidades, onde se possa usufruir dos principais
serviços públicos essenciais, como: transporte, água, luz, telefone e saneamento
básico. É algo em que o beneficiário possa sentir-se feliz, juntamente com sua
família, porque, se construirmos um casebre, sentir-se-á mais humilhado do que
já está.
O valor do financiamento desta unidade não deve ultrapassar a R$ 200,00
(duzentos reais) mensais, e o prazo máximo não pode ir além de 25 anos, sem
juros e sem acréscimos. Estamos projetando inicialmente um conjunto residencial
em Feira de Santana (Bahia) com 100 (cem) unidades. Isto equivale a dizer que
teremos um retorno de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mensais (ver cap.5). Como
apenas 50% deste retorno servirá para o ressarcimento do imóvel, poderemos
construir um apartamento a cada três meses, depois que um conjunto de 100
unidades tiver sido construído e financiado; se tivermos dois conjuntos
acabados, construiremos um apartamento a cada quarenta e cinco dias; com três
conjuntos, haverá ressarcimento suficiente para construir um apartamento a cada
dia. Partindo da perspectiva de três conjuntos (trezentas unidades/uma
unidade/dia), revertendo para a ordem ascendente, chegaremos a conclusões
crescentes que extrapolam a nossa
imaginação.
Apenas para exemplificar: 30 conjuntos equivalem a dez apartamentos/dia,
300 conjuntos nos darão a possibilidade de construir um conjunto por dia. Isto
ainda é pouco para um país das proporções do nosso, porque, como já foi dito, só
a capital paulistana precisará nada menos que 1.630.000 (um milhão e seiscentos
e trinta mil) residências, em 10 anos. Ora, trezentos conjuntos sonhados
equivalem a pouco mais de 10 conjuntos para cada
Estado.
Não me delongarei mais nestas minhas prospectivas. Bem podia tê-lo feito
através de um expert em economia e
finanças, mas optei por uma linguagem leiga, porque o leigo é entendido pelo
catedrático, mas nem sempre o catedrático é entendido pelo leigo. Esperamos que
o Governo nos apóie, desde as Prefeituras, Estados e Federação, os políticos e
as casas que representam o Poder Judiciário em todas as suas
instâncias.
Precisamos de uma fiscalização responsável, que não se limite apenas na
punição de erros e distorções, mas que nos ensine também a fazer a coisa certa.
O nosso otimismo não se arrefecerá ante as dificuldades que temos que enfrentar:
não há vitória sem luta.
O primeiro obstáculo é uma burocracia longa, mas necessária, que poderá
retardar o início das nossas atividades. O segundo virá do nosso público-alvo –
a família de baixa renda, já habituada a mudar de domicílio a cada momento em
que o proprietário lhe pede o imóvel, e, em certos casos, é despejado. Mas a
maior dificuldade reside no medo de assumir compromissos a longo prazo, por
força de uma cultura centenária de esperar sempre soluções vindas de cima para
baixo. Nossa proposta situa-se em explorar a capacidade do próprio indivíduo
para conquistar a sua auto-estima e cidadania, porque qualquer outro caminho é
mera fantasia. O terceiro obstáculo
encontra-se na sociedade massificada por 24 horas de apelos ao consumo imediato
de produtos que nem sempre são necessários. O imediatismo tomou conta da mente
do homem moderno e o impede de ver as coisas noutras
perspectivas.
Os constantes desvios de conduta de homens que deveriam ser exemplo em
todas as áreas, do Governo, civil e religiosa, criaram uma barreira difícil de
transpor a qualquer tentativa que envolva dinheiro: todos os caminhos estão
fechados ou sob suspeita. A fé é a única coisa que nos leva a prosseguir na
busca de um ideal que não é apenas nosso, mas também d’Aquele que nos enviou a
lutar em prol da restauração do homem: física, moral, cívica e espiritualmente.
Assim nos afirma o escritor da carta aos Hebreus: “A fé é a certeza das coisas
que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem” (11:1).
CONCLUSÃO
O Brasil é um país jovem em relação às nações da Europa e do Oriente. Nasceu e cresceu fruto de uma colonização predatória, mas venceu. O Brasil de hoje se impõe como uma nação progressista, sempre conquistando espaços no ranking mundial em todas as áreas de atividades do Universo. Cometeu erros? É verdade. Praticou injustiça? Também. Mas está reconhecendo, e está disposto a corrigir as distorções, desde que seus filhos, principalmente aqueles que foram beneficiados materialmente pelas políticas discriminatórias que o Brasil empreendeu em sua história, se disponham e se unam, numa cruzada sem precedentes, para resgatar o débito social que acumulou ao longo da sua trajetória.
Nosso país é pacífico, porque não tem atritos com seus vizinhos de
fronteira, e, no cômputo das nações, impõe respeito e é respeitado. É um país
progressista, porque deixou de ser apenas uma nação exportadora de matéria
prima, para ser também de produtos manufaturados e agropecuários. Ora, o Brasil
do futuro está por vir. Partindo do patamar em que está, é só ampliar seu parque
industrial, suas áreas cultiváveis, seus rebanhos animais, seu mercado
internacional, e crescer em pesquisa, ciência e tecnologia. Não menos necessária
é a área de serviços, a qual, mais que qualquer outro setor precisa ser
ampliada, a começar, como já falamos, pelo espaço público, priorizando escolas,
hospitais e estradas em todas as direções. O Brasil do futuro é um País que está
sendo construído. As novas gerações estão chegando para ocupá-lo e o mundo
precisa da sua grandeza, para o equilíbrio das
nações.
O País profético
Talvez, para muitos, pareça estranha a expressão acima. Alguns podem
pensar que estou delirando, mas não estou sonhando apenas, estou profetizando.
Se até agora ninguém contemplou o Brasil nesta dimensão, eu o estou fazendo.
Não foi à toa que Deus recambiou pessoas de todas as nações do mundo, de
todas as etnias do planeta e fundiu, como num cadinho, uma nação como a nossa.
Somos completamente diferentes do povo israelita, dada nossa extensa
miscigenação: não há uma raça para nos identificar. A despeito da cultura
judaica de procurar não se misturar com outros povos, há muitos judeus em nossa
pátria, de todos os tipos e descendências, trabalhando para o enriquecimento
dela, e integrados na vida nacional, desde os altos escalões da república até às
classes proletárias que constroem este
país.
Por outro lado, há, por certo, uma identidade do Brasil com o povo da
Promessa, o qual traiu a sua “Aliança” praticando a injustiça e se corrompendo
com a idolatria (culminando com a crucificação do “Desejado das Nações”), mas
que é o povo escolhido pelo próprio Jesus. Esta talvez não seja não uma
identidade política, mas histórica e providencial, porque Deus é o Senhor da
História e escreve sua história na história do homem que criou. O que quero
dizer, é que há bênção para a nação que abençoar Israel, e o Brasil foi um dos
países do mundo, ou talvez o único, que ofereceu seu solo para sepultar o sabão
importado da Alemanha, fabricado com a carne e a gordura das vítimas do
“holocausto”. O nosso país também abrigou, sem dúvida, um grande (senão o maior)
número de refugiados da Guerra. Ademais, foi um brasileiro (Graça Aranha) que
deu o voto de minerva para a instalação do Estado de Israel, em
1948.
A visão que tenho deste Brasil profético é que: assim como o povo de
Israel, mesmo quebrando a “Aliança”, preparou o mundo para a primeira vinda do
Messias, o Brasil, sendo cheio da unção do Espírito, corrigindo as suas
distorções, resgatando o débito social acumulado, incluindo todos os
discriminados como participantes do progresso até aqui alcançado, terá o
privilégio de operar poderosamente na preparação do mundo para a segunda vinda
de Cristo.
Abro um parêntese para transcrever aqui o recado do profeta Miquéias:
“Como me apresentarei ao Senhor, e me inclinarei ante o Deus Altíssimo? Virei
perante Ele com holocausto? Com bezerros de um ano? Agradar-se-á o Senhor de
milhares de carneiros? E de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito
pela minha transgressão? O fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma? Ele te
declarou, ó homem, o que é bom; senão que pratiques a justiça, e ames a
beneficência, e ande humildemente com o teu Deus” – Mq. 6:6-8. Esta é a síntese
da perspectivas de Deus para todos os homens, principalmente para os que
governam.
Então, a esperança da Fundação é que todos compreendam que temos de
baixar as armas e lançar mão das ferramentas. É de se esperar que os segmentos
que têm o poder de repressão, como as Forças Armadas, e o poder econômico nas
suas variedades múltiplas, bem como o proletariado com suas organizações
reivindicatórias, entendam que o processo de inclusão social tem que ser
democrático, participativo e
solidário.
Estamos plenamente conscientes de que não será apenas uma casa, uma
creche e uma escola que irá resolver o problema social do país. Outros projetos
terão que surgir, mas nenhum deles deve vir de cima para baixo, todos deverão
que ser planejados na base, com a participação do segmento afetado. A própria
reforma agrária terá que ser redimensionada; porque hoje, com o aumento da
tecnologia no campo, um pedaço de terra de nada significa, porque a pequena
propriedade agrária não tem poder de
competição.
Ora, este trabalho não tem a pretensão de ser uma peça literária, mas um
grito cujo eco deve ser ouvido por todos os segmentos da nação brasileira. Um
grito de alguém que já foi um sem-teto e um retirante da seca[5], mas que prosperou pela graça de Deus. Temos
mostrado a sua viabilidade, mas entre o viável e o real há uma distância a ser
percorrida. É uma guerra sem
quartel.
Também não é um manifesto dirigido à nação ou à sociedade, porque não há
patente: está aberto para ser copiado, e adaptado às circunstâncias de cada
Região ou Estado, contanto que se alcance o objetivo proposto. Tampouco pode ser
considerado um desafio. Quem desafia deve ter poderes para realizar; como este
poder me falta, considero-me um desafiado porque também sou
devedor.
A razão de ser deste documento pode ser entendida como uma contribuição,
porque contribuição é aquilo que se dá voluntária e generosamente, como cota de
participação, na esperança de que outras cotas sejam doadas, em parceria, em
dinheiro ou serviços; a soma destas cotas servirá para que a Fundação possa
preparar um espaço em que o beneficiário possa construir sua cidadania e de sua
família. Cidadania não se dá, não se vende, não se empresta, não se impõe: se
constrói.
TEXTOS DA
FILHA....
Sonhos que
pegam...
Havia milhares de moedas encima da mesa da copa. Eu, meus três irmãos,
minha mãe e meu pai sentávamos em volta da mesa para fazer montinhos de dez em
dez moedinhas, todo final de semana. A alegria era imensa, pois nós, crianças,
acreditávamos que nosso pai era como o Tio Patinhas: muito rico! A verdade é que
ele era dono de uma pequena fábrica de picolés. O congelador vivia cheio dos
Picolés Jataí. De moeda em moeda, ou de suor em suor, meus pais conseguiram
formar os quatro filhos[6].
Cresci ao lado de um sonhador. Aprendi a sonhar também. Desta convivência
ficaram belas lembranças. Aprendi a não valorizar a aparência, nem o supérfluo,
mas a buscar “aquilo que é pão” e a não colocar o suor “naquilo que não
satisfaz” (Ec:???).
Meu pai sempre sonhou em transformar o mundo. É claro que não conseguiu!
Mas, sua crença nesta possibilidade me ensinou a acreditar que de fato é
possível, se muitos assim o quiserem. Ensinou-me a escolher um tipo de trabalho
que tenha a ver com o serviço ao próximo. Comecei a observar a vida de grandes
líderes, os quais fizeram diferença em seus tempos. Assim, aprendi que posso ser
um elo desta corrente que gera
mudanças.
Trabalho com Educação, principalmente com o segmento das pessoas que têm
deficiências sensoriais, físicas e mentais. Sei o quanto a sociedade é devedora
a estes grupos. Entendo que suas realidades têm sido duras, pois que são
expropriados de seus direitos como cidadãos. Pagamos impostos para que todos se
beneficiem da vida em comum, mas, infelizmente o que se vê é que, as pessoas que
se afastam da pretensa normalidade, geralmente acabam sendo alvos de um
assistencialismo barato.
Diz a ONU que 82% das pessoas com deficiências vivem abaixo da linha da
pobreza e que são cerca de 400 milhões as pessoas com deficiências vivendo em
condições precárias nos países em desenvolvimento. De
acordo com o European Disability Forum, nos próximos 30 anos a população com
deficiência aumentará em 120% nos países em desenvolvimento, contra 40% nas
nações desenvolvidas. Estes dados ilustram o círculo vicioso que existe entre
pobreza e deficiência.
Consciente disto, incentivei meu pai a incluir em seu projeto a idéia de
que as famílias das pessoas com deficiência fossem priorizadas. Assim, na
construção das casas populares para famílias de baixa renda serão priorizadas as
famílias cujos progenitores sejam deficientes sensoriais, físicos ou mentais, ou
que os tenham como membros da
família.
Habitar em casas precárias, com condições mínimas de higiene, sem acesso
a vias de transporte, só agrava a situação destas pessoas, logo, um projeto
desta natureza reveste-se de uma importância fundamental, principalmente
considerando que o objetivo é que o atendimento educacional também esteja
disponível perto da moradia.
Alguns denominam “ciclo de invisibilidade” o fato de que as pessoas com
deficiências não conseguem sair de casa, então, não são vistas pela comunidade;
se não são vistas, não são reconhecidas como parte da sociedade, permanecendo na
sua “invisibilidade”, ou seja, numa invisibilidade forçada: sem acesso a
direitos, bens e serviços. Ora, todo cidadão tem direito à Educação, à Saúde, à
Habitação, à Segurança... e os recursos para que estes itens estejam acessíveis
existem, mas, têm sido mal administrados, ou carcomidos pela
corrupção.
Junto à Educação e à Saúde, a Habitação é um dos itens principais para a
construção da cidadania. Geralmente, as pessoas com deficiências físicas, por
exemplo, demandam adaptações em suas casas, como: rampas, portas largas,
corrimãos, etc. Há que se entender, no entanto, que estes itens não são custo, e
sim, investimento.
Trabalhar para que os pobres tenham mais dignidade nem é questão de
exercer bondade, é questão de inteligência: todos estarem bem é melhor para
todos.
Assim será possível viver numa sociedade com
menos violência, menos doenças, menos rancor. Estaremos mais felizes conosco
mesmos.
Infelizmente os pobres vivem como que esperando o sobejo das mesas dos
poderosos, ou se revoltam contra estes; alguns nem mesmo sabem sonhar com uma
vida digna e cidadã. Não conhecem sua força, nem sabem onde podem chegar. Por
outro lado, os privilegiados se engolfam nos seus egoísmos e organizam suas
vidas de modo a não ver as feiúras da
injustiça.
Ou mudamos ou mudamos. Não há mais tempo. Geralmente buscamos culpados,
mas, nesta busca, podemos encontrar a nós
mesmos.
Comentei, num livro que escrevi, que “há uma luta cujo palco é a
sociedade. O pano de fundo é a opressão social e cultural, manifestada nas bem
palpáveis, reais e precárias condições de vida impostas à ‘maioria’ e às
‘minorias’. Por trás do panos, e, às vezes, em tela, assistimos a uma trama
quase ofensiva onde se destacam: as injustiças sociais, raciais e econômicas; o
hedonismo racionalizado; a decadência ética; os preconceitos banalizados; a
corrupção remunerada; a criminalidade, a fome, a miséria; as pessoas sem-escola,
sem-saúde, sem-trabalho, sem-teto, sem-tudo. Na dimensão econômica se apresenta
uma ampliação cada vez mais abissal da pobreza; na dimensão cultural, são
expostas tentativas palpáveis, ou mesmo difusas, de assujeitamento dos
diferentes; na dimensão individual é mostrado um alargamento do egoísmo e da
solidão.
Paradoxalmente, este é um tempo de imensas possibilidades. O
desenvolvimento tecnológico nunca foi tão veloz e jamais ofereceu tanta chance
de aprimoramento das tecnologias concretas que podem vir a ampliar enormemente a
qualidade de vida na Terra. Nunca foi tão fácil obter informações, mas também
nunca foi tão primordial construir conhecimento e, quiçá, obter sabedoria. Nunca
a chamada aldeia global foi tão pequena e tão diversificada, nunca houve tanta
chance de aproximação de diferentes idéias e perspectivas, nunca houve tanta
oportunidade de se conhecer “o outro” e tantos “outros”. Mas, nunca o confronto
foi tão possível, tão difuso e, ao mesmo tempo, tão palpável. Nunca se viveu tão
acompanhado e tão só”[7].
Nestes tempos que parecem tempos do fim, precisamos traçar alguns
começos: começar a nos preocupar com o outro, começar a rever motivações,
começar a agir em função de algo maior que nossos próprios interesses. Eu me
senti desafiada com a leitura deste projeto de um idoso de 81 anos! Um idoso
que, com esta idade, ainda acha que tem forças para empreender um projeto como
este! Pode até não conseguir, mas terá dado em exemplo tremendo!
Entendi que seu desejo é fazer desta Fundação uma ferramenta para que
outros possam manusear. Encontrará voluntários? Creio que sim: a idéia é boa, os
princípios são inteligentes e a causa é justa.
A DÍVIDA DA INTELIGÊNCIA
O caderno mais marcante da minha vida não foi meu, foi do meu pai. Era um
enorme caderno de desenho, com folhas brancas e cheirosas. Nele alguém havia
desenhado um porquinho na primeira folha, uma ovelhinha na segunda folha, um
ramalhete de flores na terceira folha e uma casinha na quarta folha. Existiam
outros desenhos, em outras folhas, mas eu me recordo bem apenas destes. A tarefa
era preencher o corpo do porquinho colando porções de Bombril (palha de aço),
preencher a ovelhinha com algodão, fazer florzinhas com as sobras de lápis
coloridos apontados e construir a casinha com palitos de picolé. Eu achei aquela
tarefa fascinante! Não podia entender porque meu pai estudava numa escola que
fazia tarefas tão interessantes mas, ao mesmo tempo, tão esquisitas para um
homem naquela idade.
Seja como for, acompanhei como podia as suas tarefas (que sempre recebiam
uma “colaboração” minha e de minha mãe). Eu gostava de passar na porta do
Colégio Fluminense, onde meu pai fazia o Curso Normal noturno. Naquela época eu
não compreendia bem o que estava acontecendo, mas julgava que deveria ser algo
importante, pois que consumia muitas horas do tempo do meu
pai.
Trabalho e Educação sempre foram muito presentes em nossa casa. Acho até
que Paixão e Educação também andaram juntas por lá, pois meu pai conseguiu casar
com sua professora de matemática e meu nome (primeira filha) foi colocado em
homenagem a uma inesquecível professora (Maria Nídia Rigaud da Silva), de quem
sempre se lembrava com imenso afeto. Algumas facetas desta história de paixão e
garra pela Educação estão contadas no livro de sua autoria: Da Seca à
Fonte[8].
Há quinze anos trabalho no ensino superior público e, seguindo a rota do
questionamento que o meu pai faz, quanto ao débito social brasileiro, percebo o
quanto a “Inteligência” tem deixado a desejar, sendo tão bem treinada no
discurso, mas mantendo-se ainda bastante distante da
prática.
O Brasil ainda é um país socialmente injusto,
que condena à miséria um contingente enorme de seus filhos e marcam escandalosas
desigualdades e exclusão das maiorias - constantemente chamadas de “minorias”.
Estou sempre questionando a participação da comunidade científica nas questões
mais urgentes da vida social. Vejo que a academia detém uma grande dívida para
com os pobres, os excluídos, os marginalizados sociais. A Universidades não pode
se deixar reduzir a mero aparelho de produção de quadros para o mercado
capitalista. Ela deve agir em direção a um compromisso público com a maioria que
lá não está, mas que a sustenta.
Ora, as demandas sociais precisam de um saber
profissional e científico, mas este deve ser construído na base de parcerias,
inclusive parcerias com o povo. Os intelectuais precisam estar comprometidos com
a luta contra a miséria. As universidades têm que se dirigir para as periferias
e que aprender a valorizar o saber popular. Compete aos intelectuais
problematizar todas as dimensões da sociedade, problematizar a cultura, a vida,
o destino humano e até o relacionamento com Deus.
A Universidade tem que ser servidora da
sociedade, e não apenas dos que estão em seus quadros, porque estes, por alguma
razão conseguiram vencer o afunilamento injusto e entraram por suas portas. No
entanto, seus olhares têm que estar, também, para fora, numa atitude de
responsabilidade para com a nação e para com o mundo em geral. Muitos são os desafios
que se colocam diante dos profissionais atentos às demandas da história e de seu
povo, principalmente nestes tempos em que a chamada sociedade pós-moderna e a
cultura capitalista estão em crise.
É comum se ouvir a estatística de que cerca de
18% da população consome 80% dos recursos não-renováveis. Esta é uma grande
contradição, quando se entende que o alvo do desenvolvimento não deve ser o
mercado nem o capital, mas todos os seres humanos, numa grande caravana pela
inclusão social. O que é o “desenvolvimento” senão o melhoramento do bem-estar
de toda a população e de cada indivíduo na base de sua
participação ativa, livre e significativa e na justa distribuição dos benefícios
resultantes dele? (Declaração sobre o Direito dos Povos ao Desenvolvimento –
ONU, 1993). Mas, alguém pensa em parar de acumular para pleitear o bem-estar de
todos?
Este bem-estar geral certamente passará pela
Educação. A Educação capacita o ser humano a pensar sobre sua vida individual e
social, capacita as pessoas a apropriar-se do conhecimento científico e cultural
acumulado pela humanidade, e, mais que isto, capacita a refletir criticamente
sobre este conhecimento transformando-o, tornando-se autônomo e menos sujeito à
dominação. O povo tem que sair da ignorância, pois é esta ignorância que não o
deixa ver a perversidade do projeto social que mantém suas vidas na submissão.
Aqui está a responsabilidade e o peso da dívida da
“Inteligência”.
Ora, Escola e Povo têm que se relacionar
mutuamente, cobrando, assessorando e fiscalizando o governo no serviço que
presta ao bem comum. O povo brasileiro é um povo alegre, buliçoso, colorido,
generoso, religioso, cheio de esperanças e utopias, tolerante, de boa-vontade,
que convive com a diversidade étnica, cultural e religiosa. É um povo que tem
todas as condições para encontrar o caminho da solidariedade. É um povo que tem
muito boa vontade para com a
inclusão.
Mas, faltam investimentos sociais em políticas
públicas para a Educação, a Saúde, a Segurança, a Habitação, dentre outras. Há
um enorme grupo que espera sua cidadania com como concessão do Estado ou dos
políticos, numa postura acostumada com o assistencialismo fácil, que busca
saciar as carências sem passar pela conscientização.
A população pobre geralmente é dependente dos
benefícios públicos e acredita que as mudanças dependem dos que detém o poder,
nunca dela mesma. Aqueles que têm uma compreensão mais ampliada precisam pensar
em projetos para ajudar a democratizar a cidadania, para erradicar a pobreza
absoluta, para criar formas mais efetivas de participação. A situação do nosso
povo tem que nos incomodar.
Temos que conseguir um desenvolvimento justo e
ecologicamente sustentado. A economia certamente será a base, mas não é o fim, e
nem deve ser o alvo (ora, o ser humano não busca apenas a sobrevivência). Temos
que achar as maneiras de articular crescimento econômico e justiça social no
nosso Brasil.
O Brasil não é devedor do mundo, pois que
contribui de muitas maneiras para o patrimônio da humanidade, principalmente com
seu patrimônio natural (com a maior biodiversidade do planeta, com a oxigenação
da atmosfera, com o nosso imenso potencial de água potável, etc.). Convém
lembrar que a água potável é o recurso natural mais escasso da natureza, visto
que apenas 4% de toda água da Terra é água doce, e apenas menos de 1% é potável,
mas, que só na América Latina (especialmente no Brasil) estão 47% da riqueza
hídrica do planeta. Isto nos aponta para a potencialidade do nosso país que
poderá vir a saciar muita sede do mundo. Os olhares estão/serão voltados para
cá, mas, infelizmente a nossa fotografia ainda mostra as feiúras do egoísmo que
produz depredação do ambiente e morte do homem.
Temos que ter criatividade e coragem para
intervir, transformando nossa prática interna, enquanto ser, e externa, enquanto
sociedade; buscando ajustar eticamente a nossa ação social, aperfeiçoada por
meio do conhecimento adquirido cotidianamente. Lutar pela formação do indivíduo
em sua plenitude possível (e até transcendental), colaborando para que todos
sejam atores de suas histórias.
Para isto o Evangelho ajuda muito bem. Este
Evangelho prático eu vi na vida do meu pai. Vi muita coerência em sua vida (não
perfeição, é claro). Cedo entendi que a fé que afirmamos ter tem que aguçar a
nossa responsabilidade pessoal e social, pois, o amor a Deus impele ao amor às
demais pessoas. Cedo entendi que temos que relacionar o todo da mensagem do
Evangelho com as realidades concretas, pois o homem tem uma dimensão espiritual
vinculada à eternidade, mas também tem uma dimensão material vinculada à
sociedade.
Logo entendi que não são os sistemas políticos que garantem “libertação”,
pois, para resolver as questões mais profundas do ser humano, só as respostas
espirituais que estão em
Deus. Ora , o Evangelho não se resume a um envolvimento
sócio-político, mas o incentiva, uma vez que tem a empatia como dever cristão.
Segundo o Evangelho, toda dignidade humana foi originada em Deus, por isto,
temos que pensar soluções para os problemas sociais, temos que nos levantar
contra toda forma de alienação, opressão e discriminação, posicionando-nos
diante das idéias que ofendem a bondade suprema de Deus: odiando aquilo que Deus
chama de pecado, mas amando comprometidamente o
pecador.
Tenho orgulho do Evangelho que funciona como eixo de minha identidade,
pois creio que ele tanto é resposta para as indagações existenciais do homem e
da mulher, como é proposta para dilemas históricos. O Evangelho respeita a
liberdade individual, pratica a fraternidade universal, reconhece a primazia dos
valores interiores, proclama a reconciliação de todos os homens, faz de cada
homem um potencial líder e um profeta, denunciando toda forma de opressão
(inclusive a opressão da religiosidade).
O meu pai pode não ter feito muito, mas sou testemunha de que passou a
vida toda tentando. Seus sonhos e planos coincidem com os valores do Reino de
Deus, por isto, colocou em mim uma inquietude, uma preocupação, uma expectativa.
Quando ele morrer, ainda será uma voz forte na multiplicidade de discursos que
me atravessam e que me fazem lutar pela inclusão
social.
Quem me conhece, sabe de meu trabalho com os
surdos. Da convivência com minha filha surda nasceu uma vontade imensa de
colaborar para transformar a realidade deste grupo cultural e lingüístico
minoritário. É nisto que invisto o tempo de minha vida profissional.
Considerando que este livreto tratada da Inclusão Social, convém que eu repita o
que já tenho dito de outras formas: luto pela Inclusão Social (principalmente
das pessoas com deficiências sensoriais, mentais e físicas), mas não creio que,
no caso dos surdos, a Inclusão Social passa pela inclusão escolar.
Em minha opinião, o tema da inclusão escolar
para surdos deve continuar a ser colocado sob suspeita, à luz dos recursos
lingüísticos, cognitivos, e sócio-culturais de que o surdo necessita para ter
sucesso na sua escolarização.
É necessário questionar a inclusão escolar para
que seja pensada e viabilizada uma escola pautada em processos de aprendizagem
realmente significativos e eficazes. Ora, as escolas comuns não são ambientes
lingüísticos naturais que possam dar ao surdo a oportunidade de adquirir de
forma natural e precoce a Língua de Sinais, tornando-a, assim sua língua
materna. Considerando que 96% dos surdos não têm pais surdos, a maior
oportunidade de adquirir a língua com a qual os surdos melhor se desenvolvem e
se comunicam, é mesmo na escola. A escola específica para surdos – a escola que
defendo - significa um lugar privilegiado onde é facilitada a formação de
identidades sociais surdas e o aprimoramento cognitivo que é facilitado pelo uso
natural da Língua de Sinais; é um espaço de vida cultural e comunitária dos
surdos.
Ora, os surdos têm o direito de se desenvolver
numa comunidade de surdos, caso assim o desejem, constituindo estratégias de
identificação num processo sócio-histórico autêntico, livre, particular, não
cerceado; ora, isto é plenamente possível (talvez não unicamente, mas
primordialmente) numa escola que reflita sua condição sócio-lingüística e
cultural. Muitos se assustam com esta idéia, por entenderem tratar-se da
formação de guetos. Ora, não se trata de exclusão, trata-se de uma questão de
direito (não de concessão).
Analisando-se a história da surdez e dos surdos, vê-se que sempre existiu
(e ainda persiste) uma resistência para com a idéia de usar educacionalmente a
língua natural que foi criada pelos surdos ao longo do tempo, cujo acesso pode
ultrapassar o impedimento biológico. Assim, penso que toda discussão sobre a
inclusão de surdos deve começar questionando o uso, que tem sido feito, de uma
língua anti-natural, quando há uma língua natural disponível.
No entanto, é necessário ampliar esta discussão, enfatizando, também, as
imposições dos modelos ouvintes, as imposições da visão clínico-patológica sobre
os surdos, as imposições políticas que os fazem pouco representados nas decisões
que lhes dizem respeito, as imposições das visões exclusivas dos professores
ouvintes monolíngües, a negação da cultura surda, a supremacia da língua oficial
na escola, o desrespeito às potencialidades dos surdos; o desconhecimento sobre
as mais adequadas estratégias de ensino-aprendizagem; a falta de qualificação
técnica dos professores, bem como outros determinantes que configuram a
problemática educacional da surdez.
Na realidade, a questão central não é meramente
a do “espaço” em que os surdos devem ser educados, mas, quais as reais
oportunidades de aprendizado para este grupo, quais as as oportunidades de
participação que lhes estão disponíveis. Infelizmente o que temos hoje no Brasil
é um enorme contingente de surdos que até conseguem a certificação de estudos em
nível do Ensino Médio (geralmente não mais que isto), mas que, na verdade, são
quase “analfabetos funcionais”, sem acesso à língua da comunidade majoritária e
sem acesso ao conhecimento do arsenal lingüístico e cultural desta
comunidade.
No livro Cultura, Poder e Educação de Surdos
escrevi o seguinte: “Os grupos dos surdos têm sido excluídos e estigmatizados:
seu universo cultural, suas estratégias de sobrevivência, seus valores e as
características de seu comportamento têm sido preteridos, desvalorizados. Suas
formas de agir, de pensar, de comunicar, de sentir, de dizer, têm sido negadas
ao longo da história. Impôs-se a eles um modelo que jamais poderiam alcançar: o
padrão de ter que ser o que não são. As expectativas absurdas, as escassas
opções e os enormes limites impostos levaram a maioria deles a uma crise de
identidade, a uma desvalorização pessoal e ao menosprezo pelo seu saber e pela
sua cultura – manifestos mais intensamente na vida de tantos surdos que tentam
esconder sua surdez.
As práticas discursivas do tradicional modelo
médico utilizado historicamente no âmbito da educação legitimam os métodos que
criam e reforçam a “realidade” das pessoas surdas como patológicas, defeituosas
e deficientes. Esta narrativa clínico-terapêutica é apenas uma das formas de
interpretação, mas, por sua pretensão de ser “a narrativa científica”, costuma
silenciar outras formas de significação e compreensão da surdez e dos surdos,
silenciando, também, a narrativa dos próprios
surdos.
Aos surdos, quando muito, o que se tem
oferecido são propostas de qualificação para o “mercado” de trabalho. A eles se
entende que basta o subemprego, a sobrevivência, a exploração de sua “saúde”
física. Negam-se as possibilidades e os sonhos de uma escolarização completa,
superior, de uma vida produtiva e digna, na qualidade de cidadãos normais,
capazes.
Para que haja os desejados avanços, os
educadores precisam conscientizar-se da necessidade de trabalhar por uma
educação plural, que valorize diferentes saberes na produção do conhecimento, e,
que considere o universo cultural e singular dos grupos minoritários. O papel da
escola é crucial para diferentes segmentos da população brasileira: surdos,
indígenas, negros, crianças moradoras das ruas, analfabetos, etc. Uma vez que a
sociedade atual é multirracial, multifacetada, torna-se imperativo questionar o
alcance, os limites e as implicações, em todas as esferas sociais, da
diferenciação sócio-cultural, que, antes de ser encarada como um mal, deve ser
vista como uma enorme riqueza de possibilidades.
O desafio que se nos apresenta, então, é o de
construir, com os surdos, uma escola que leve em consideração a língua, as
formas culturais e os projetos da comunidade surda – marginalizada da
escolaridade vigente ainda que incluída em seu discurso equivocado. O alvo é
construir uma escola não-terapêutica, antes enriquecida por uma significativa
prática pedagógica que verdadeiramente gere um processo de produção de
conhecimentos e de formação de recursos humanos surdos. A educação formal de
surdos, nesta perspectiva, é, realmente, um
desafio”.
Este livro é mais do meu pai que meu, mas,
talvez seja em sua homenagem que eu termino gastando tanto espaço com os surdos.
Afinal, meu pai, no peso dos seus 81 anos, está quase totalmente surdo. Num dia
desses, quando eu tentava chamar meu pai e ele não respondia, minha filha Nívia
exclamou: “Oba! Dois surdos na
família”!
(Hoje meu pai está com 86 anos e já conseguiu criar não uma Fundação, mas uma ONG - a ONG Resgata Brasil).
[1] (Neto, Belarmino de Souza. Flores do Pajeú.
Recife: Printer Gráfica e Editora, Biblioteca Pernambucana de História
Municipal, 2004, p. 31).
[4] Jornal do Federal – Conselho Federal
de Psicologia – ano XX – maio de
2007.
[5] A história de minha trajetória está
escrita no livro: Limeira Neto, Antonio. Da Seca à Fonte. São Paulo: Editora
Naós, 2000.
[6] Nídia é pastora, doutora em Educação e
professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nádia é mestre em Biologia e
secretária SDS - Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Estado do
Amazonas, Paulo é engenheiro civil e dono de empreiteira de obras, Núbia é
mestre em Enfermagem e professora da Universidade de São Paulo
(USP).